Regina Navarro Lins: "Eles são apontados como indecisos, mas a preferência não é um estágio"
Cíntia está casada há onze anos e tem três filhos. Procurou terapia por se sentir confusa, sem saber o que decidir da sua vida. “Amo
meu marido, sempre tivemos um ótimo sexo, e não quero me separar dele.
Só que aconteceu algo totalmente inesperado. Nunca havia me passado pela
cabeça que eu poderia me interessar por uma mulher. Só que conheci Cris
e me apaixonei. Começamos a fazer um curso de especialização juntas.
Diversas vezes fui à sua casa fazer trabalhos do curso. Um dia, quase
que por acaso, nos beijamos. Fiquei bastante assustada com meus próprios
desejos, mas mesmo assim resolvi ir em frente. Estamos tendo uma
relação maravilhosa, de muito amor e muito sexo. Às vezes, nem acredito
que isso está acontecendo comigo.”
As estatísticas mostram que a grande maioria já sentiu, de alguma forma,
desejo por ambos os sexos. Pesquisas indicam que nos Estados Unidos
mais de 40% dos homens casados, durante toda a vida de casados, se
envolveram em sexo com outros homens. Entretanto, os que transam com os
dois sexos sempre foram acusados de indecisos, de estar em cima do muro,
de não conseguir se definir. Os heterossexuais costumam ver a
bissexualidade como um estágio e não como uma condição alcançada na
vida. Muitos gays e lésbicas desprezam os bissexuais acusando-os de
insistir em manter os “privilégios heterossexuais” e de não ter coragem
de se assumir. Não concordo com essas afirmações por me parecerem
preconceituosas.
O fato é que nunca se falou tanto em bissexualidade como dos anos 90
para cá. A manchete de capa da revista americana Newsweek de julho de
1995 era: “Bissexualidade: nem homo nem hetero. Uma nova identidade
sexual emerge.” A atriz americana Jodie Foster teve seu desejo sexual
por mulheres revelado num livro escrito por seu próprio irmão.
Entrevistada pelos jornais, declarou: “Tive uma ótima educação, que
nunca me fez diferenciar homens e mulheres.” Essa discussão existe desde
a década de 70. A Newsweek de 27 de maio de 1974 trouxe uma matéria em
que a cantora Joan Baez declarava que um dos maiores amores de sua vida
havia sido uma mulher e que, após quatro anos de relacionamentos
exclusivamente lésbicos, estava namorando um homem.
Dois psiquiatras com pontos de vista opostos foram chamados a
comentar o assunto. “A bissexualidade é um desastre para a cultura e a
sociedade”, proclamou um, enquanto o outro, presidente eleito da
Associação Psiquiátrica Americana, anunciou: “Está chegando o ponto em
que a heterossexualidade pode ser vista como uma inibição”. Na mesma
semana a revista Time descreveu num artigo chamado “Os novos bissexuais”
os triunfos e os fracassos desse fenômeno sexual, indo das biografias
de atrizes e escritores consagrados ao surgimento de romances, memórias e
filmes bissexuais.
Seríamos todos bissexuais dependendo apenas da permissividade da
cultura em que vivemos? O pesquisador americano Alfred Kinsey acredita
que a homossexualidade e a heterossexualidade exclusivas representam
extremos do amplo espectro da sexualidade humana. Para ele a fluidez dos
desejos sexuais faz com que pelo menos metade das pessoas, sintam, em
graus variados, desejo pelos dois sexos. Em 1948, ele desenvolveu a
famosa escala Kinsey para medir a homo, a hetero e a bissexualidade.
Entrevistando doze mil homens e oito mil mulheres, elaborou uma
classificação da sexualidade de zero a seis:
(0) Exclusivamente heterossexual.
(1) Predominantemente heterossexual, apenas incidentalmente homossexual.
(2) Predominantemente heterossexual, mais do que eventualmente homossexual.
(3) Igualmente heterossexual e homossexual.
(4) Predominantemente homossexual, mais do que eventualmente heterossexual.
(5) Predominantemente homossexual, apenas incidentalmente heterossexual
(6) Exclusivamente homossexual.
Na pesquisa feita pelo americano Harry Harlow, mais de 50% das
mulheres, numa cena de sexo em grupo, se engajaram em jogos íntimos com o
mesmo sexo, contra apenas um por cento dos homens. Entretanto, quando o
anonimato é garantido a proporção de homens bissexuais aumenta a um
nível quase idêntico.
Muitos afirmam que romperiam um namoro ou casamento se descobrissem
que seus parceiros são bissexuais. Mas isso é uma questão cultural,
portanto, passível de mudança. Na Grécia Clássica (século V a.C.) a
iniciação sexual de um jovem se dava com o seu tutor. E era considerado
natural que os cidadãos gregos casados e respeitáveis tivessem relações
sexuais com as esposas, as concubinas, as cortesãs e os efebos (jovens
rapazes).
A respeitada antropóloga Margareth Mead declarou: “Acho que chegou o
tempo em que devemos reconhecer a bissexualidade como uma forma normal
de comportamento humano. É importante mudar atitudes tradicionais em
relação à homossexualidade, mas realmente não conseguiremos retirar a
carapaça de nossas crenças culturais sobre escolha sexual se não
admitirmos a capacidade bem documentada (atestada no correr dos tempos)
de o ser humano amar pessoas de ambos os sexos.”
Marjorie Garber, professora da Universidade de Harvard, que elaborou
um profundo estudo sobre o tema, compara a afirmação de que os seres
humanos são heterossexuais ou homossexuais às crenças de antigamente,
como: o mundo é plano, o sol gira ao redor da terra. E pergunta: “Será
que a bissexualidade é um ‘terceiro tipo’ de identidade sexual, entre a
homossexualidade e a heterossexualidade — ou além dessas duas
categorias?” Acreditando que a bissexualidade tem algo fundamental a nos
ensinar sobre a natureza do erotismo humano, ela sugere que em vez de
hetero, homo, auto, pan e bissexualidade, digamos simplesmente
‘sexualidade’.
Será que o amor pelos dois sexos se tornará uma opção cada vez mais
comum a ponto de predominar? A bissexualidade, como muitos afirmam,
será mesmo o sexo do futuro?
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