Com a procura cada vez maior por versões com voz em português,
filmes e séries legendados (uma tradição brasileira) estão ameaçados de
desaparecer.
Durante muito tempo, assistir a um filme estrangeiro no cinema
significava se preparar para uma longa sessão de leitura. À exceção dos
desenhos animados e de algumas produções infantis, os filmes dublados só
encontravam espaço na televisão aberta. Nos últimos anos, a tradição
começou a mudar. Para conquistar um público maior, os cinemas têm
apostado nas versões dubladas. Dependendo do filme, encontrar uma sessão
legendada pode ser difícil.
A estreia de Os vingadores, o principal lançamento do ano até
agora, mostra essa mudança em números. Das 1.152 cópias do filme
lançadas no Brasil, 673 eram dubladas. O filme superou os R$ 110 milhões
de faturamento, a maior bilheteria da história dos cinemas brasileiros.
A superprodução adolescente Crepúsculo: amanhecer – parte 1,
lançada no ano passado, também seguiu a estratégia. Quase dois terços
das cópias lançadas eram dubladas, e elas faturaram mais que as versões
legendadas.
O triunfo da voz sobre a palavra escrita reflete uma nova demanda dos
espectadores. Segundo o Instituto Datafolha, 56% dos frequentadores de
cinema preferem filmes dublados. A ascensão de uma nova classe média,
que passou a frequentar os cinemas recentemente, explica a mudança do
gosto. “Essas pessoas estavam acostumadas a filmes dublados na televisão
aberta e querem o mesmo nos cinemas”, afirma Cesar Silva, diretor-geral
da distribuidora Paramount no Brasil.
Um filme como Os vingadores, que tem muita violência e pouca
conversa, contém 50 mil caracteres de legenda, equivalentes a 30 páginas
de livro. Em duas horas, é muita leitura para quem não está acostumado.
Os canais de televisão por assinatura também adaptaram sua programação. Personagens de séries antes legendadas, como o drama Grey’s anatomy,
aprenderam a falar português. Os filmes também passaram a ser dublados.
A rede Telecine adotou o áudio em português como primeira opção em
quatro de seus canais. Caso o assinante prefira a versão legendada, deve
fazer a escolha com o controle remoto. Assim como no cinema, a mudança
tem a ver com o crescimento do público. “Há quatro anos, a televisão por
assinatura tinha 4 milhões de assinantes. Hoje tem 13 milhões”, diz
Manoel Rangel, diretor-presidente da Agência Nacional de Cinema. “Deixou
de ser um serviço para poucos.”
Embora as mudanças possam causar estranhamento em parte do público, o
sucesso dos filmes dublados é comum no mundo todo. Em países como
Alemanha e Itália, é difícil encontrar uma sessão legendada nos cinemas.
Na Espanha, a preferência por dublados é fruto de uma decisão política.
Em 1941, sob a justificativa de defesa do idioma, o ditador Francisco
Franco promulgou uma lei que obrigava a dublagem de todos os filmes
estrangeiros. A obrigatoriedade desapareceu em 1946, mas o hábito não.
Em países como Alemanha e Itália, é difícil encontrar uma sessão legendada nos cinemas
Por vontade própria ou por decreto, abrir mão das legendas pode até ser
uma experiência prazerosa. Ao optar por ouvir, o espectador volta sua
atenção para detalhes do filme, como o cenário, as expressões faciais ou
o figurino dos personagens. A tradição brasileira de dublagem ajuda. Ao
contrário dos dubladores de países hispânicos, que enchem de drama
latino a interpretação de seus personagens, os brasileiros tentam
reproduzir o tom dos atores originais. “Procuramos interpretar com
naturalidade”, afirma Zodja Pereira, fundadora de um estúdio de dublagem
em São Paulo. Novas tecnologias também contribuem. Nos primórdios da
dublagem, era necessário regravar todo o áudio do filme para inserir as
falas traduzidas. O som ambiente do filme era perdido. Hoje, os filmes
chegam aos estúdios com faixas de som separadas. A dublagem substitui a
faixa da voz, e o som ambiente permanece o mesmo.
Apesar da melhoria nas dublagens, o declínio das legendas traz prejuízo
aos espectadores. Por melhor que seja, o dublador não consegue
interpretar o personagem. Como substituir a voz de um ator complexo como
Sean Penn ou Meryl Streep? Perde-se mais ainda quando o dublador não é
profissional. Com o objetivo de atrair mais público, tem se tornado cada
vez mais comum ouvir artistas famosos pouco habituados à dublagem dando
voz a personagens de filmes infantis. Ouvir o mesmo dublador falando
por vários atores também causa estranheza. Na versão dublada de O informante,
o espectador que prestar atenção às falas do personagem de Al Pacino
reconhecerá a voz que dublou Richard Gere por anos, inclusive em Uma linda mulher. Na vida real, a voz dos dois atores não tem nenhuma semelhança.
Os espectadores descontentes com os lançamentos de séries e filmes
dublados começam a formar movimentos de resistência. A campanha Dublado sem opção, não,
lançada nas redes sociais, já reúne 6 mil pessoas. “Não é justo que os
canais imponham uma programação dublada”, diz o advogado Bruno Carvalho,
organizador do movimento. O objetivo é convencer os canais a permitir
que o assinante possa escolher sempre entre a versão dublada e a
legendada.
Nos cinemas, onde não existe a opção de mudar o áudio com o controle
remoto, o futuro das legendas é mais sombrio. Se os dublados são
preferidos pelo público, é natural que o mercado se adapte à demanda da
maioria. Assim como na Europa e nos Estados Unidos, os filmes legendados
tendem a se tornar um produto de nicho, exibido longe dos
shopping centers. Cinemas como o Reserva Cultural, em São Paulo, podem
se tornar o último reduto para quem quiser ouvir a voz verdadeira dos
atores. “O cinema é uma arte repleta de sutilezas que precisam ser
respeitadas, e a manutenção do áudio original é uma forma de respeito”,
afirma Laure-Bacqué, sócia diretora do cinema. Lá, filmes dublados só
entram se forem infantis. Salas como essa podem ser o último foco de
resistência para impedir que as legendas se tornem curiosidade
histórica, como o cinema mudo ou os filmes em preto e branco.
Fonte: Época Cultura